sábado, 18 de junho de 2011

Minha história VI – Em defesa da Ordem – Parte I


        A condição de vampiro nos outorga enormes poderes.  No meu caso, isso não aconteceu de imediato, mas progressivamente ao longo de meu primeiro ano como morto-vivo.  De início, percebi apenas os aspectos terríveis da minha metamorfose – como a intolerância à luz do sol e a implacável sede de sangue (a sede hedionda, como eu costumava chamar).  Aos poucos, porém, coisas interessantes começaram a manifestar-se em mim.  Eram poderes e habilidades que eu jamais sonhara em possuir.
         Primeiro, veio a força: uma força física sobre-humana acompanhada de uma sensação irrestrita de vigor e de um aguçamento impressionante dos sentidos.  Depois, vieram poderes ainda mais surpreendentes...
        
∞ Ж ∞

         Quando abri meus olhos pela primeira vez como vampiro, após ter permanecido morto por três noites, minha única preocupação era saber o que havia acontecido com meus irmãos e com a Ordem.  Eu estivera preso por mais de um ano e precisava entender o que havia ocorrido do lado de fora das masmorras durante esse período.  Para me informar, procurei as tabernas, o que me parecia mais fácil do que procurar meus amigos, já que eu ainda não lidava muito bem com minha nova condição.
         Foi um começo acertado.  Nas tabernas, compartilhando as noites e as jarras de vinho com bêbados e prostitutas, pode-se descobrir muitas coisas.  Descobri, por exemplo, tudo o que se dizia a respeito da queda-de-braço que era disputada por Filipe e Clemente e da trama urdida por nosso rei para apoderar-se dos recursos da Ordem.  Entendi também que o punho do Papa já se havia dobrado e que, em breve, seu braço tocaria a mesa...
         Mas eu estava livre – pelo menos durante a noite – e poderia tentar ajudar de alguma forma.  E a única coisa que me passava pela cabeça era usar meus conhecimentos de Direito para auxiliar na defesa da Ordem.  Mas, para isso, eu precisaria ter acesso ao Processo.
         Os documentos oficiais estariam evidentemente sob a guarda da Igreja e, portanto, fora de Paris.  No entanto, Filipe e seus conselheiros deveriam manter com certeza uma cópia ao alcance da mão.  E o lugar onde esta cópia estaria não poderia ser outro senão o Louvre, o palácio de Filipe e sede administrativa do reino.  Mas entrar lá – e depois sair – me parecia uma tarefa impossível!  Protegido pela guarda pessoal do Rei, o Louvre seria ainda mais inexpugnável que a masmorra em que eu estivera preso... "Mas como ela havia conseguido?" – pensei recordando-me de Nadine, a garota que entrara em minha cela na prisão e que havia me transformado em vampiro. – "Agora que eu sou como ela, talvez possa fazer o mesmo!"
         Eu precisava saber um pouco mais a respeito de vampiros.  Estava na hora de voltar às tabernas.
         Com uma cigana que conheci na "A Cabra Manca", aprendi que vampiros podem transformar-se em névoa.  Podem também assumir a forma de animais ou simplesmente comandá-los através da imposição da vontade.  Vampiros poderosos podem, em alguma medida, controlar o tempo e os elementos.  Também lhes é possível influenciar os sonhos humanos, estabelecer contato direto com as mentes dos homens e até mesmo impor sua vontade aos mais fracos.

         Se ela estivesse certa – e ela me garantia que estava – mais cedo ou mais tarde eu desenvolveria tais habilidades.
         Como eu não podia deixar este processo ao acaso, decidi praticar.  O primeiro sucesso que obtive foi na transformação em névoa.  Demorei um pouco para pegar o jeito mas, ao final de algumas semanas, já "me esfumaçava" com naturalidade.  E isso vinha bem a calhar para quem tencionava entrar no Louvre sem ser notado.
         Durante os meses de março e abril de 1309, noite após noite, eu penetrava como a brisa pelas frestas das portas ou pelas aberturas das janelas e estudava o vasto acervo de documentos que encontrei no Louvre.  Não havia só os documentos oficiais; havia também diversos outros que não favoreciam Filipe e que foram habilmente suprimidos por de Nogaret e de Plaisians dos autos do processo.  Empenhei-me em conhecer de cor a maior parte dos documentos, já que, movimentando-me como névoa, não me era possível levar comigo nenhum deles.  Com diligência e perseverança, e valendo-me do fato de sempre ter sido um bom estudante, consegui memorizar a quase totalidade da informação que havia à minha disposição.
         Agora, era preciso tempo para digerir aquilo tudo e traçar um plano.
         E tempo era o que não me faltava...

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