sábado, 11 de junho de 2011

Minha história V – Filipe X Clemente


         Novamente pequei, perdendo-me nos detalhes em meu último post, mas já não me importo mais com isso.  Como diz o ditado, "a um burro velho não se ensinam novos truques".  O mesmo se aplica ao velho templário que escreve estas palavras.  E o leitor deve também considerar que, além dos meus 734 anos, sou também advogado, o que me torna ainda mais prolixo e ainda mais incorrigível.
         Por isso, não lutarei novamente contra minha natureza e escreverei o que bem entender neste meu blog.  Espero que me perdoe, compreensivo leitor, por este desabafo, e peço que tenha um pouco de paciência com este velho cuja memória tem a extensão dos séculos e para quem o tempo nada significa.  Que sua paciência e persistência na leitura deste texto sejam, no mínimo, recompensadas com uma boa e verdadeira história!
         Dito isso, posso novamente e agora sem culpa, perder-me outra vez nos detalhes...
        

         As instruções de Filipe, logo após as prisões de 13 de outubro, indicam que deva ser usada a tortura, "se necessário".  A partir das confissões obtidas com estes métodos condenáveis, as acusações tomam corpo.  Quando o papado toma ao seu encargo as investigações, o processo já conta com 127 artigos de acusação.  Fala-se de renúncia ao Cristo, de considerá-lo um falso profeta; de cuspirem, pisarem e urinarem sobre a cruz durante as cerimônias de admissão na Ordem; de adorarem ídolos uma cabeça de três rostos, o Baphomet, um gato; de não crerem nos sacramentos; de entregarem-se a práticas obscenas e à homossexualidade; de terem por objetivo maior contribuir para o enriquecimento da Ordem, não importando através de que meios; de reunirem-se à noite para a prática de rituais secretos de bruxaria...

         Com as confissões obtidas sob tortura da quase totalidade dos templários aprisionados, Filipe e de Nogaret antecipam um êxito fácil para seu plano.  Algumas destas confissões tinham claramente um peso maior do que outras.  Como as dos altos dignitários, por exemplo.
         O primeiro a confessar foi Godofredo de Charney, Preceptor da Normandia, que o fez em 21 de outubro de 1307.  As declarações de Hugues de Pairaud, Visitador da Ordem e que, por força de seu cargo presenciara centenas de cerimônias de admissão, também representaram um importante golpe contra a credibilidade do Templo.  Mas o depoimento do próprio Grão Mestre, Jacques de Molay, em 24 de outubro, confirmando as palavras de Charney e de Pairaud, e repetindo sua confissão no dia seguinte diante dos mestres da Universidade de Paris, foi sem dúvida um marco na opinião pública da época.

         O que de fato acontecia é que a Ordem não estava sujeita ao poder laico e os templários acreditavam que tudo seria solucionado pela intervenção da Igreja.  Por isso, cedem tão facilmente.  Não são os Templários o exército pessoal do Pontífice?  Porque então negar e sofrer sob tortura se logo o Papa porá um fim àquele absurdo?
         Com essa convicção, da qual compartilha de Molay, os templários confessam.  Alguns hesitam, negam a princípio, mas cedem e retratam-se mais adiante.  Muito poucos mantêm-se firmes e rechaçam até o fim as acusações.
         É importante notar que estas acusações feitas contra os Templários não são novas: são as mesmas utilizadas por de Nogaret contra o Bispo de Pamiers, Bernard Saisset, em 1301, e contra o papa Bonifácio VIII, em 1302 e 1303, e fazem parte do conhecido arsenal anti-herético comum da época.

         Mas a verdade é que, mesmo com todas as "provas" levantadas, as coisas não saem tão fáceis para Filipe.  Com a bula Pastoralis praeeminentiae, Clemente recupera o controle do processo, para preocupação do rei.  Filipe então insiste, enviando petições ao Papa solicitando a transferência da guarda dos templários da Igreja para o poder leigo, mas não obtém êxito.  Também não obtém êxito em impedir que, em dezembro de 1307, Jaques de Molay e os dignitários do Templo, diante dos cardeais enviados por Clemente, revoguem suas confissões, alegando terem sido coagidos pela tortura.  Clemente, agora, sabe o que fazer e, em fevereiro de 1308, dispensa os serviços de Guillaume de Paris e de Nicolás de Enmezat, os Inquisidores encarregados das investigações.  De agora em diante, não haverá mais torturas.
         Filipe, então, muda de estratégia: reduz as pressões sobre o papa e amplia seu trabalho sobre a opinião pública.  Estratégia semelhante havia funcionado bastante bem contra Bonifácio VIII.  Porque não utilizá-la novamente?  Dirige-se aos doutores da Universidade de Paris, formulando questões sobre a legitimidade das acusações.  As respostas só são conhecidas em 25 de março e não favorecem Filipe.  Defendem que o Templo é uma ordem eclesiástica e que, como tal, deve ser julgada pela Igreja.  No entanto, concordam que, mediante suspeitas de heresia, Filipe tenha agido corretamente dando início ao processo.  Isso é muito pouco, mas já é um começo.
         Filipe age.  Ordena a distribuição anônima de folhetos difamando Clemente e conclama a todos - clero, nobreza e gentio - a defenderem os princípios morais e religiosos apoiando a condenação de uma ordem de hereges.  De Nogaret realiza em Tours um concílio de Estados do reino, convocando representantes de todas as comunidades francesas.  Durante os meses de junho e julho, Filipe, de Nogaret e de Plaisians voltam a exercer pressão sobre Clemente, apresentando novamente todas as provas contra a Ordem e exigindo sua dissolução imediata.  Para aumentar a pressão, os conselheiros do rei apresentam ao Papa um grupo de 72 templários, bem instruídos e preparados, que testemunham contra a Ordem.
         Com tanta pressão, Clemente cede.  Permite a volta dos Inquisidores e, através da bula Faciens misericordiam, autoriza o julgamento dos templários como pessoas comuns pelos concílios provinciais.  Nomeia também uma comissão apostólica formada por oito membros para realizar investigações detalhadas sobre a Ordem.  Um conselho geral, convocado pela bula Regnans in coelis, e que deveria reunir-se primeiramente em Vienne em 1310, julgaria e se pronunciaria sobre a eventual suspensão da Ordem.  Por último, Clemente se conserva o direito de julgar pessoalmente o Grão Mestre e os demais dignitários do Templo.  Os prisioneiros continuarão sob a guarda de Igreja, mas os bens da Ordem serão postos sob a guarda do reino.

         Estamos no início de 1309 e a vitória de Filipe parece ser total.
         Mas o rei de mármore não usufruiria dessa vitória assim tão facilmente...

Nenhum comentário: