Novamente pequei, perdendo-me nos detalhes em meu último post, mas já não me importo mais com isso. Como diz o ditado, "a um burro velho não se ensinam novos truques". O mesmo se aplica ao velho templário que escreve estas palavras. E o leitor deve também considerar que, além dos meus 734 anos, sou também advogado, o que me torna ainda mais prolixo e ainda mais incorrigível.
Por isso, não lutarei novamente contra minha natureza e escreverei o que bem entender neste meu blog. Espero que me perdoe, compreensivo leitor, por este desabafo, e peço que tenha um pouco de paciência com este velho cuja memória tem a extensão dos séculos e para quem o tempo nada significa. Que sua paciência e persistência na leitura deste texto sejam, no mínimo, recompensadas com uma boa e verdadeira história!
Dito isso, posso novamente e agora sem culpa, perder-me outra vez nos detalhes...
As instruções de Filipe, logo após as prisões de 13 de outubro, indicam que deva ser usada a tortura, "se necessário". A partir das confissões obtidas com estes métodos condenáveis, as acusações tomam corpo. Quando o papado toma ao seu encargo as investigações, o processo já conta com 127 artigos de acusação. Fala-se de renúncia ao Cristo, de considerá-lo um falso profeta; de cuspirem, pisarem e urinarem sobre a cruz durante as cerimônias de admissão na Ordem; de adorarem ídolos – uma cabeça de três rostos, o Baphomet, um gato; de não crerem nos sacramentos; de entregarem-se a práticas obscenas e à homossexualidade; de terem por objetivo maior contribuir para o enriquecimento da Ordem, não importando através de que meios; de reunirem-se à noite para a prática de rituais secretos de bruxaria...
Com as confissões obtidas sob tortura da quase totalidade dos templários aprisionados, Filipe e de Nogaret antecipam um êxito fácil para seu plano. Algumas destas confissões tinham claramente um peso maior do que outras. Como as dos altos dignitários, por exemplo.
O primeiro a confessar foi Godofredo de Charney, Preceptor da Normandia, que o fez em 21 de outubro de 1307. As declarações de Hugues de Pairaud, Visitador da Ordem e que, por força de seu cargo presenciara centenas de cerimônias de admissão, também representaram um importante golpe contra a credibilidade do Templo. Mas o depoimento do próprio Grão Mestre, Jacques de Molay, em 24 de outubro, confirmando as palavras de Charney e de Pairaud, e repetindo sua confissão no dia seguinte diante dos mestres da Universidade de Paris, foi sem dúvida um marco na opinião pública da época.
O que de fato acontecia é que a Ordem não estava sujeita ao poder laico e os templários acreditavam que tudo seria solucionado pela intervenção da Igreja. Por isso, cedem tão facilmente. Não são os Templários o exército pessoal do Pontífice? Porque então negar e sofrer sob tortura se logo o Papa porá um fim àquele absurdo?
Com essa convicção, da qual compartilha de Molay, os templários confessam. Alguns hesitam, negam a princípio, mas cedem e retratam-se mais adiante. Muito poucos mantêm-se firmes e rechaçam até o fim as acusações.
É importante notar que estas acusações feitas contra os Templários não são novas: são as mesmas utilizadas por de Nogaret contra o Bispo de Pamiers, Bernard Saisset, em 1301, e contra o papa Bonifácio VIII, em 1302 e 1303, e fazem parte do conhecido arsenal anti-herético comum da época.
Mas a verdade é que, mesmo com todas as "provas" levantadas, as coisas não saem tão fáceis para Filipe. Com a bula Pastoralis praeeminentiae, Clemente recupera o controle do processo, para preocupação do rei. Filipe então insiste, enviando petições ao Papa solicitando a transferência da guarda dos templários da Igreja para o poder leigo, mas não obtém êxito. Também não obtém êxito em impedir que, em dezembro de 1307, Jaques de Molay e os dignitários do Templo, diante dos cardeais enviados por Clemente, revoguem suas confissões, alegando terem sido coagidos pela tortura. Clemente, agora, sabe o que fazer e, em fevereiro de 1308, dispensa os serviços de Guillaume de Paris e de Nicolás de Enmezat, os Inquisidores encarregados das investigações. De agora em diante, não haverá mais torturas.
Filipe, então, muda de estratégia: reduz as pressões sobre o papa e amplia seu trabalho sobre a opinião pública. Estratégia semelhante havia funcionado bastante bem contra Bonifácio VIII. Porque não utilizá-la novamente? Dirige-se aos doutores da Universidade de Paris, formulando questões sobre a legitimidade das acusações. As respostas só são conhecidas em 25 de março e não favorecem Filipe. Defendem que o Templo é uma ordem eclesiástica e que, como tal, deve ser julgada pela Igreja. No entanto, concordam que, mediante suspeitas de heresia, Filipe tenha agido corretamente dando início ao processo. Isso é muito pouco, mas já é um começo.
Filipe age. Ordena a distribuição anônima de folhetos difamando Clemente e conclama a todos - clero, nobreza e gentio - a defenderem os princípios morais e religiosos apoiando a condenação de uma ordem de hereges. De Nogaret realiza em Tours um concílio de Estados do reino, convocando representantes de todas as comunidades francesas. Durante os meses de junho e julho, Filipe, de Nogaret e de Plaisians voltam a exercer pressão sobre Clemente, apresentando novamente todas as provas contra a Ordem e exigindo sua dissolução imediata. Para aumentar a pressão, os conselheiros do rei apresentam ao Papa um grupo de 72 templários, bem instruídos e preparados, que testemunham contra a Ordem.
Com tanta pressão, Clemente cede. Permite a volta dos Inquisidores e, através da bula Faciens misericordiam, autoriza o julgamento dos templários como pessoas comuns pelos concílios provinciais. Nomeia também uma comissão apostólica formada por oito membros para realizar investigações detalhadas sobre a Ordem. Um conselho geral, convocado pela bula Regnans in coelis, e que deveria reunir-se primeiramente em Vienne em 1310, julgaria e se pronunciaria sobre a eventual suspensão da Ordem. Por último, Clemente se conserva o direito de julgar pessoalmente o Grão Mestre e os demais dignitários do Templo. Os prisioneiros continuarão sob a guarda de Igreja, mas os bens da Ordem serão postos sob a guarda do reino.
Estamos no início de 1309 e a vitória de Filipe parece ser total.
Mas o rei de mármore não usufruiria dessa vitória assim tão facilmente...
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