Não quero transformar este blog em uma aula de história medieval, senão apenas contar a minha história pessoal que, no entanto, se confunde com aquela. E é preciso que eu esclareça alguns fatos sobre a perseguição e sobre o processo que foi instaurado contra a Ordem do Templo para que você, caro leitor, possa entender com clareza as motivações por trás destes acontecimentos.
Calúnias e rumores sobre a Ordem correm à boca pequena desde 1305. São relatos sobre heresia, idolatria e sodomia. Nascem em Agen e têm origem em Esquieu de Floyran, originário de Béziers e Prior de Montfalcon.
Em 1305, Esquieu comunica estes rumores ao Rei de Aragón, Jaime II, que não lhe dá atenção. Esquieu relata então suas suspeitas ao Rei de França. Filipe vê nelas uma oportunidade e seus conselheiros, Guillaume de Nogaret e Guillaume de Plaisians, começam a juntar material contra o Templo. Comunicam ao Papa as suspeitas, mas Clemente V não crê nelas. Mesmo assim, Clemente não consegue deixar de questionar Filipe nas ocasiões em que o encontra, primeiramente em Lyon, em 1305, e novamente em Poitiers, na primavera de 1307. Em nenhum destes encontros, no entanto, Filipe comenta sua intenção de deter os templários. De Nogaret continua reunindo diligentemente material contra o Templo: coleta testemunhos de templários expulsos da Ordem por suas faltas; introduz espiões dentro Templo; acentua a pressão sobre o Papa (Clemente sabe que o episódio de Anagni – o rapto de Bonifácio VIII e seu falecimento pouco depois – podem se repetir tendo ele próprio como protagonista).
Jacques de Molay, mantido a par de tudo o que acontece por templários próximos ao Papa, decide então antecipar-se e solicita a Clemente a abertura de uma investigação sobre as calúnias que estão sendo levantadas contra a Ordem. Em 24 de agosto de 1307, o Papa informa a Filipe haver ordenado uma investigação a respeito.
Incomodado com a possibilidade de perder o controle da situação, Filipe decide agir. Em 14 de setembro de 1307, dia da festa da Exaltação da Santa Cruz, encaminha cartas seladas, com instruções para serem abertas apenas no dia 13 de outubro, a todos os cantos da França. O texto é habilmente preparado de forma a demonstrar a motivação piedosa de Filipe:
"Uma coisa amarga, uma coisa deplorável, uma coisa seguramente horrível de se pensar [...]. Uma coisa absolutamente inumana, muito mais, estranha a toda a humanidade, há chegado a nossos ouvidos graças ao informe de várias pessoas dignas de crédito. [...]
Os irmãos da Ordem da Milícia do Templo, ocultando o lobo sob a aparência de cordeiro e insultando miseravelmente a religião de nossa fé por baixo do hábito da Ordem, são acusados de renegar Cristo, de cuspir sobre a cruz, de entregar-se a gestos obscenos durante a admissão na Ordem e de obrigar-se, pelo voto de sua profissão e sem temor em ofender a lei humana, a entregar-se uns aos outros, sem negar-se, tão prontamente quanto lhes for solicitado. [...]
Visto que a verdade não pode ser revelada plenamente de outro modo, que uma suspeita veemente se há estendido a todos e que, se há algum inocente, importa que seja provado como é o ouro no crisol e purgado pelo exame de juízo que se impõe [...], decidimos que todos os membros da dita Ordem de nosso reino sejam detidos, sem exceção alguma, mantidos prisioneiros e colocados ao juízo da Igreja, e que todos os seus bens, móveis e imóveis, sejam confiscados, postos sob nossa guarda e fielmente conservados. [...]"
Na manhã de 13 de outubro, a ação começa. Em Paris, 138 templários são detidos. Em toda a França, o número soma 546. Muito poucos escapam: contagens oficiais mencionam apenas 12, entre os quais Gerard de Villers, Preceptor da França, um dos altos dignitários da Ordem.
Fora da França, no entanto, a iniciativa de Filipe não é bem recebida. Em 16 de outubro, o Rei apressa-se a escrever a seus pares na Europa, exortando-os a agirem como ele. No dia 30, Eduardo II de Inglaterra responde-lhe que não crê em uma só palavra das acusações que são feitas contra o Templo. Jaime II, em sua resposta, defende veementemente a Ordem. O Papa, que encontra-se em Poitiers, está indignado: "Vossa conduta impulsiva é um insulto contra Nós e contra a Igreja Romana.", escreve ao Rei em 27 de outubro.
Filipe não perde tempo. Ordena os interrogatórios e, ao final de outubro, obtém as primeiras confissões.
Clemente é um papa débil e enfermo, levado ao pontificado pelas mãos de Filipe, mas sabe que não pode deixar que sua autoridade seja escarnecida e precisa retomar as rédeas em relação às questões que se levantam contra o Templo. Em 22 de novembro, através da bula Pastoralis praeeminentiae, ordena a detenção dos templários em toda a cristandade e a colocação dos bens da Ordem sob a tutela da Igreja.
Eduardo II recebe a bula em 14 de dezembro e se conforma com a decisão papal. Em 10 de janeiro de 1308, os templários ingleses são presos em Londres, York e Lincoln. A ordem de prisão chega em 25 de janeiro à Justiça Maior da Irlanda, que a executa em 3 de fevereiro. No total, 135 templários são detidos nas Ilhas Britânicas.
Nos Estados Ibéricos, as reações são distintas. O Rei de Navarra é Louis, filho mais velho de Filipe IV, e o obedece prontamente: em 23 de outubro, os templários do reino são encarcerados em Pamplona. Na operação, 3 templários de Aragón são aprisionados juntamente com os de Navarra, mas são libertados em seguida, numa reação aos protestos de Jaime II. Mas Jaime não quer libertá-los: quer prendê-los ele mesmo, já que pretende evitar a qualquer custo que os bens da Ordem caiam em mãos da Igreja ou sejam transferidos para os Hospitalários e ordena as prisões em Aragón e em Valencia.
Em Valência, os templários são presos em 1 de dezembro. Exmen de Lenda, Mestre da Província de Aragón é capturado. Outros, no entanto, resistem: Raimundo Sa Guardia, Preceptor de Mas Deu, em Rosellón, lidera um grupo de irmãos que se aquartelam em seus castelos de Miravet, Monzón e Ascó, entre outros. Entre dezembro de 1307 e agosto de 1308, Raimundo mantém correspondência com Jaime, defendendo a Ordem, relembrando ao rei os serviços prestados pelo Templo à causa da Reconquista. A partir de fevereiro, Jaime sitia os castelos, que caem um a um, o último deles capitulando em julho de 1309.
Em Mallorca, apesar de contrariado, o rei acata a bula papal e procede à detenção dos templários.
Em Castilla e Portugal, os soberanos defendem a Ordem e nada fazem até a publicação de uma nova bula, Faciens misericordiam, em agosto de 1308, quando finalmente efetuam as prisões.
Em outros lugares, as atitudes das autoridades dependem dos laços e das relações que mantêm com a coroa francesa mas, mais cedo ou mais tarde, as prisões acabam acontecendo e, em finais de 1308, todos os templários da cristandade ou estão presos, ou tornaram-se fugitivos.
Um deles, no entanto, goza de uma situação especial: é dado como morto – e na verdade o está – mas caminha entre os vivos à noite com total liberdade de ação. Este templário sou eu!