sábado, 25 de junho de 2011

Minha história VII – Aprendendo novos truques


         Passei o verão de 1309 nos bosques próximos de Paris procurando desenvolver alguns dos poderes mencionados por minha amiga cigana.  Foi numa dessas noite quentes que consegui pela primeira vez me transformar em um animal.  No caso, numa coruja.  A transformação-clichê em morcego ocorreu dois dias depois.  Mas foi transformando-me em um lobo que vivi a experiência mais interessante.
         Eu andava pelo bosque numa dessas noites quando me deparei com um lobo de olhos cintilantes me fitando na escuridão.  Caminhei na direção do animal, que parecia me olhar com curiosidade.  Arisco, saiu de seu esconderijo e fugiu para dentro do bosque.  Transformei-me então em lobo, com a intenção de segui-lo.  Tratava-se, na verdade – como percebi assim que concluí minha transformação – de uma jovem loba.  Decidida a não permitir que eu a alcançasse e melhor conhecedora do terreno, corria à minha frente mantendo uma distância segura.  Sem que eu me desse conta, a astuta criatura fazia seu caminho por entre as árvores e arbustos conduzindo-me na direção da alcatéia.
         Não corremos por muito tempo.  Após atravessarmos uma área de folhagem mais alta e densa, cheguei a uma clareira onde mais de vinte pares de olhos me fitavam ameaçadoramente.  A jovem fêmea, ofegante, encolhia-se atrás de um grande macho cinzento, olhando-me apreensiva com a cabeça baixa, quase colada ao chão.
         O lobo cinzento parecia ser o macho-alfa e não demonstrou qualquer simpatia por mim.  Esticou o pescoço para frente, arqueando os ombros, e rosnou de forma pouco cortês.  Como lobo, compreendi claramente o protocolo utilizado e as suas intenções.  Ele aproximou-se lentamente, rosnando, com os dentes sempre à mostra, procurando flanquear-me.  Seu próximo passo, sem qualquer dúvida, seria lançar-se sobre mim.  Ele era maior do que eu e mais novo.  Mas não era dotado de inteligência humana, não havia combatido os sarracenos e, definitivamente, não era um templário.  Tampouco era um vampiro.
         Nossa luta foi rápida e terminou com minhas patas comprimindo seu corpo contra o chão e com minhas presas cravadas em seu pescoço.
         E então descobri um segredo que mudou o rumo de minha existência vampiresca.  Um vampiro mantém sua vitalidade ingerindo o sangue de seus semelhantes.  Sob a forma de lobo, o sangue de outro lobo era o sangue de meu semelhante.  Agora eu sabia como aplacar a sede hedionda sem precisar sacrificar vidas humanas.
         Bebi com avidez o fluido vital do derrotado líder da alcatéia enquanto os demais animais apenas observavam.  Não houve novos desafios e nem qualquer oposição à minha nova liderança.
        Quando soltei o pescoço inerte do macho morto e ergui a cabeça, meu focinho ensangüentado brilhou ao luar.  Num desejo incontido de expressão, manifestei-me através de um prolongado uivo de vitória.  E então vinte outros lobos juntaram-se a mim em coro, cantando para a lua.

sábado, 18 de junho de 2011

Minha história VI – Em defesa da Ordem – Parte I


        A condição de vampiro nos outorga enormes poderes.  No meu caso, isso não aconteceu de imediato, mas progressivamente ao longo de meu primeiro ano como morto-vivo.  De início, percebi apenas os aspectos terríveis da minha metamorfose – como a intolerância à luz do sol e a implacável sede de sangue (a sede hedionda, como eu costumava chamar).  Aos poucos, porém, coisas interessantes começaram a manifestar-se em mim.  Eram poderes e habilidades que eu jamais sonhara em possuir.
         Primeiro, veio a força: uma força física sobre-humana acompanhada de uma sensação irrestrita de vigor e de um aguçamento impressionante dos sentidos.  Depois, vieram poderes ainda mais surpreendentes...
        
∞ Ж ∞

         Quando abri meus olhos pela primeira vez como vampiro, após ter permanecido morto por três noites, minha única preocupação era saber o que havia acontecido com meus irmãos e com a Ordem.  Eu estivera preso por mais de um ano e precisava entender o que havia ocorrido do lado de fora das masmorras durante esse período.  Para me informar, procurei as tabernas, o que me parecia mais fácil do que procurar meus amigos, já que eu ainda não lidava muito bem com minha nova condição.
         Foi um começo acertado.  Nas tabernas, compartilhando as noites e as jarras de vinho com bêbados e prostitutas, pode-se descobrir muitas coisas.  Descobri, por exemplo, tudo o que se dizia a respeito da queda-de-braço que era disputada por Filipe e Clemente e da trama urdida por nosso rei para apoderar-se dos recursos da Ordem.  Entendi também que o punho do Papa já se havia dobrado e que, em breve, seu braço tocaria a mesa...
         Mas eu estava livre – pelo menos durante a noite – e poderia tentar ajudar de alguma forma.  E a única coisa que me passava pela cabeça era usar meus conhecimentos de Direito para auxiliar na defesa da Ordem.  Mas, para isso, eu precisaria ter acesso ao Processo.
         Os documentos oficiais estariam evidentemente sob a guarda da Igreja e, portanto, fora de Paris.  No entanto, Filipe e seus conselheiros deveriam manter com certeza uma cópia ao alcance da mão.  E o lugar onde esta cópia estaria não poderia ser outro senão o Louvre, o palácio de Filipe e sede administrativa do reino.  Mas entrar lá – e depois sair – me parecia uma tarefa impossível!  Protegido pela guarda pessoal do Rei, o Louvre seria ainda mais inexpugnável que a masmorra em que eu estivera preso... "Mas como ela havia conseguido?" – pensei recordando-me de Nadine, a garota que entrara em minha cela na prisão e que havia me transformado em vampiro. – "Agora que eu sou como ela, talvez possa fazer o mesmo!"
         Eu precisava saber um pouco mais a respeito de vampiros.  Estava na hora de voltar às tabernas.
         Com uma cigana que conheci na "A Cabra Manca", aprendi que vampiros podem transformar-se em névoa.  Podem também assumir a forma de animais ou simplesmente comandá-los através da imposição da vontade.  Vampiros poderosos podem, em alguma medida, controlar o tempo e os elementos.  Também lhes é possível influenciar os sonhos humanos, estabelecer contato direto com as mentes dos homens e até mesmo impor sua vontade aos mais fracos.

         Se ela estivesse certa – e ela me garantia que estava – mais cedo ou mais tarde eu desenvolveria tais habilidades.
         Como eu não podia deixar este processo ao acaso, decidi praticar.  O primeiro sucesso que obtive foi na transformação em névoa.  Demorei um pouco para pegar o jeito mas, ao final de algumas semanas, já "me esfumaçava" com naturalidade.  E isso vinha bem a calhar para quem tencionava entrar no Louvre sem ser notado.
         Durante os meses de março e abril de 1309, noite após noite, eu penetrava como a brisa pelas frestas das portas ou pelas aberturas das janelas e estudava o vasto acervo de documentos que encontrei no Louvre.  Não havia só os documentos oficiais; havia também diversos outros que não favoreciam Filipe e que foram habilmente suprimidos por de Nogaret e de Plaisians dos autos do processo.  Empenhei-me em conhecer de cor a maior parte dos documentos, já que, movimentando-me como névoa, não me era possível levar comigo nenhum deles.  Com diligência e perseverança, e valendo-me do fato de sempre ter sido um bom estudante, consegui memorizar a quase totalidade da informação que havia à minha disposição.
         Agora, era preciso tempo para digerir aquilo tudo e traçar um plano.
         E tempo era o que não me faltava...

sábado, 11 de junho de 2011

Minha história V – Filipe X Clemente


         Novamente pequei, perdendo-me nos detalhes em meu último post, mas já não me importo mais com isso.  Como diz o ditado, "a um burro velho não se ensinam novos truques".  O mesmo se aplica ao velho templário que escreve estas palavras.  E o leitor deve também considerar que, além dos meus 734 anos, sou também advogado, o que me torna ainda mais prolixo e ainda mais incorrigível.
         Por isso, não lutarei novamente contra minha natureza e escreverei o que bem entender neste meu blog.  Espero que me perdoe, compreensivo leitor, por este desabafo, e peço que tenha um pouco de paciência com este velho cuja memória tem a extensão dos séculos e para quem o tempo nada significa.  Que sua paciência e persistência na leitura deste texto sejam, no mínimo, recompensadas com uma boa e verdadeira história!
         Dito isso, posso novamente e agora sem culpa, perder-me outra vez nos detalhes...
        

         As instruções de Filipe, logo após as prisões de 13 de outubro, indicam que deva ser usada a tortura, "se necessário".  A partir das confissões obtidas com estes métodos condenáveis, as acusações tomam corpo.  Quando o papado toma ao seu encargo as investigações, o processo já conta com 127 artigos de acusação.  Fala-se de renúncia ao Cristo, de considerá-lo um falso profeta; de cuspirem, pisarem e urinarem sobre a cruz durante as cerimônias de admissão na Ordem; de adorarem ídolos uma cabeça de três rostos, o Baphomet, um gato; de não crerem nos sacramentos; de entregarem-se a práticas obscenas e à homossexualidade; de terem por objetivo maior contribuir para o enriquecimento da Ordem, não importando através de que meios; de reunirem-se à noite para a prática de rituais secretos de bruxaria...

         Com as confissões obtidas sob tortura da quase totalidade dos templários aprisionados, Filipe e de Nogaret antecipam um êxito fácil para seu plano.  Algumas destas confissões tinham claramente um peso maior do que outras.  Como as dos altos dignitários, por exemplo.
         O primeiro a confessar foi Godofredo de Charney, Preceptor da Normandia, que o fez em 21 de outubro de 1307.  As declarações de Hugues de Pairaud, Visitador da Ordem e que, por força de seu cargo presenciara centenas de cerimônias de admissão, também representaram um importante golpe contra a credibilidade do Templo.  Mas o depoimento do próprio Grão Mestre, Jacques de Molay, em 24 de outubro, confirmando as palavras de Charney e de Pairaud, e repetindo sua confissão no dia seguinte diante dos mestres da Universidade de Paris, foi sem dúvida um marco na opinião pública da época.

         O que de fato acontecia é que a Ordem não estava sujeita ao poder laico e os templários acreditavam que tudo seria solucionado pela intervenção da Igreja.  Por isso, cedem tão facilmente.  Não são os Templários o exército pessoal do Pontífice?  Porque então negar e sofrer sob tortura se logo o Papa porá um fim àquele absurdo?
         Com essa convicção, da qual compartilha de Molay, os templários confessam.  Alguns hesitam, negam a princípio, mas cedem e retratam-se mais adiante.  Muito poucos mantêm-se firmes e rechaçam até o fim as acusações.
         É importante notar que estas acusações feitas contra os Templários não são novas: são as mesmas utilizadas por de Nogaret contra o Bispo de Pamiers, Bernard Saisset, em 1301, e contra o papa Bonifácio VIII, em 1302 e 1303, e fazem parte do conhecido arsenal anti-herético comum da época.

         Mas a verdade é que, mesmo com todas as "provas" levantadas, as coisas não saem tão fáceis para Filipe.  Com a bula Pastoralis praeeminentiae, Clemente recupera o controle do processo, para preocupação do rei.  Filipe então insiste, enviando petições ao Papa solicitando a transferência da guarda dos templários da Igreja para o poder leigo, mas não obtém êxito.  Também não obtém êxito em impedir que, em dezembro de 1307, Jaques de Molay e os dignitários do Templo, diante dos cardeais enviados por Clemente, revoguem suas confissões, alegando terem sido coagidos pela tortura.  Clemente, agora, sabe o que fazer e, em fevereiro de 1308, dispensa os serviços de Guillaume de Paris e de Nicolás de Enmezat, os Inquisidores encarregados das investigações.  De agora em diante, não haverá mais torturas.
         Filipe, então, muda de estratégia: reduz as pressões sobre o papa e amplia seu trabalho sobre a opinião pública.  Estratégia semelhante havia funcionado bastante bem contra Bonifácio VIII.  Porque não utilizá-la novamente?  Dirige-se aos doutores da Universidade de Paris, formulando questões sobre a legitimidade das acusações.  As respostas só são conhecidas em 25 de março e não favorecem Filipe.  Defendem que o Templo é uma ordem eclesiástica e que, como tal, deve ser julgada pela Igreja.  No entanto, concordam que, mediante suspeitas de heresia, Filipe tenha agido corretamente dando início ao processo.  Isso é muito pouco, mas já é um começo.
         Filipe age.  Ordena a distribuição anônima de folhetos difamando Clemente e conclama a todos - clero, nobreza e gentio - a defenderem os princípios morais e religiosos apoiando a condenação de uma ordem de hereges.  De Nogaret realiza em Tours um concílio de Estados do reino, convocando representantes de todas as comunidades francesas.  Durante os meses de junho e julho, Filipe, de Nogaret e de Plaisians voltam a exercer pressão sobre Clemente, apresentando novamente todas as provas contra a Ordem e exigindo sua dissolução imediata.  Para aumentar a pressão, os conselheiros do rei apresentam ao Papa um grupo de 72 templários, bem instruídos e preparados, que testemunham contra a Ordem.
         Com tanta pressão, Clemente cede.  Permite a volta dos Inquisidores e, através da bula Faciens misericordiam, autoriza o julgamento dos templários como pessoas comuns pelos concílios provinciais.  Nomeia também uma comissão apostólica formada por oito membros para realizar investigações detalhadas sobre a Ordem.  Um conselho geral, convocado pela bula Regnans in coelis, e que deveria reunir-se primeiramente em Vienne em 1310, julgaria e se pronunciaria sobre a eventual suspensão da Ordem.  Por último, Clemente se conserva o direito de julgar pessoalmente o Grão Mestre e os demais dignitários do Templo.  Os prisioneiros continuarão sob a guarda de Igreja, mas os bens da Ordem serão postos sob a guarda do reino.

         Estamos no início de 1309 e a vitória de Filipe parece ser total.
         Mas o rei de mármore não usufruiria dessa vitória assim tão facilmente...

sábado, 4 de junho de 2011

MInha história IV - O último Templário livre



         Não quero transformar este blog em uma aula de história medieval, senão apenas contar a minha história pessoal que, no entanto, se confunde com aquela.  E é preciso que eu esclareça alguns fatos sobre a perseguição e sobre o processo que foi instaurado contra a Ordem do Templo para que você, caro leitor, possa entender com clareza as motivações por trás destes acontecimentos.
        
         Calúnias e rumores sobre a Ordem correm à boca pequena desde 1305.  São relatos sobre heresia, idolatria e sodomia.  Nascem em Agen e têm origem em Esquieu de Floyran, originário de Béziers e Prior de Montfalcon.
         Em 1305, Esquieu comunica estes rumores ao Rei de Aragón, Jaime II, que não lhe dá atenção.  Esquieu relata então suas suspeitas ao Rei de França.  Filipe vê nelas uma oportunidade e seus conselheiros, Guillaume de Nogaret e Guillaume de Plaisians, começam a juntar material contra o Templo.  Comunicam ao Papa as suspeitas, mas Clemente V não crê nelas.  Mesmo assim, Clemente não consegue deixar de questionar Filipe nas ocasiões em que o encontra, primeiramente em Lyon, em 1305, e novamente em Poitiers, na primavera de 1307.  Em nenhum destes encontros, no entanto, Filipe comenta sua intenção de deter os templários.  De Nogaret continua reunindo diligentemente material contra o Templo: coleta testemunhos de templários expulsos da Ordem por suas faltas; introduz espiões dentro Templo; acentua a pressão sobre o Papa (Clemente sabe que o episódio de Anagni – o rapto de Bonifácio VIII e seu falecimento pouco depois – podem se repetir tendo ele próprio como protagonista).
         Jacques de Molay, mantido a par de tudo o que acontece por templários próximos ao Papa, decide então antecipar-se e solicita a Clemente a abertura de uma investigação sobre as calúnias que estão sendo levantadas contra a Ordem.  Em 24 de agosto de 1307, o Papa informa a Filipe haver ordenado uma investigação a respeito.

         Incomodado com a possibilidade de perder o controle da situação, Filipe decide agir.  Em 14 de setembro de 1307, dia da festa da Exaltação da Santa Cruz, encaminha cartas seladas, com instruções para serem abertas apenas no dia 13 de outubro, a todos os cantos da França.  O texto é habilmente preparado de forma a demonstrar a motivação piedosa de Filipe:
         "Uma coisa amarga, uma coisa deplorável, uma coisa seguramente horrível de se pensar [...].  Uma coisa absolutamente inumana, muito mais, estranha a toda a humanidade, há chegado a nossos ouvidos graças ao informe de várias pessoas dignas de crédito. [...]
         Os irmãos da Ordem da Milícia do Templo, ocultando o lobo sob a aparência de cordeiro e insultando miseravelmente a religião de nossa fé por baixo do hábito da Ordem, são acusados de renegar Cristo, de cuspir sobre a cruz, de entregar-se a gestos obscenos durante a admissão na Ordem e de obrigar-se, pelo voto de sua profissão e sem temor em ofender a lei humana, a entregar-se uns aos outros, sem negar-se, tão prontamente quanto lhes for solicitado. [...]
         Visto que a verdade não pode ser revelada plenamente de outro modo, que uma suspeita veemente se há estendido a todos e que, se há algum inocente, importa que seja provado como é o ouro no crisol e purgado pelo exame de juízo que se impõe [...], decidimos que todos os membros da dita Ordem de nosso reino sejam detidos, sem exceção alguma, mantidos prisioneiros e colocados ao juízo da Igreja, e que todos os seus bens, móveis e imóveis, sejam confiscados, postos sob nossa guarda e fielmente conservados. [...]"

         Na manhã de 13 de outubro, a ação começa.  Em Paris, 138 templários são detidos.  Em toda a França, o número soma 546.  Muito poucos escapam: contagens oficiais mencionam apenas 12, entre os quais Gerard de Villers, Preceptor da França, um dos altos dignitários da Ordem. 

         Fora da França, no entanto, a iniciativa de Filipe não é bem recebida.  Em 16 de outubro, o Rei apressa-se a escrever a seus pares na Europa, exortando-os a agirem como ele.  No dia 30, Eduardo II de Inglaterra responde-lhe que não crê em uma só palavra das acusações que são feitas contra o Templo.  Jaime II, em sua resposta, defende veementemente a Ordem.  O Papa, que encontra-se em Poitiers, está indignado: "Vossa conduta impulsiva é um insulto contra Nós e contra a Igreja Romana.", escreve ao Rei em 27 de outubro.
         Filipe não perde tempo.  Ordena os interrogatórios e, ao final de outubro, obtém as primeiras confissões.

         Clemente é um papa débil e enfermo, levado ao pontificado pelas mãos de Filipe, mas sabe que não pode deixar que sua autoridade seja escarnecida e precisa retomar as rédeas em relação às questões que se levantam contra o Templo.  Em 22 de novembro, através da bula Pastoralis praeeminentiae, ordena a detenção dos templários em toda a cristandade e a colocação dos bens da Ordem sob a tutela da Igreja.
         Eduardo II recebe a bula em 14 de dezembro e se conforma com a decisão papal.  Em 10 de janeiro de 1308, os templários ingleses são presos em Londres, York e Lincoln.  A ordem de prisão chega em 25 de janeiro à Justiça Maior da Irlanda, que a executa em 3 de fevereiro.  No total, 135 templários são detidos nas Ilhas Britânicas.
         Nos Estados Ibéricos, as reações são distintas.  O Rei de Navarra é Louis, filho mais velho de Filipe IV, e o obedece prontamente: em 23 de outubro, os templários do reino são encarcerados em Pamplona.  Na operação, 3 templários de Aragón são aprisionados juntamente com os de Navarra, mas são libertados em seguida, numa reação aos protestos de Jaime II.  Mas Jaime não quer libertá-los: quer prendê-los ele mesmo, já que pretende evitar a qualquer custo que os bens da Ordem caiam em mãos da Igreja ou sejam transferidos para os Hospitalários e ordena as prisões em Aragón e em Valencia.
         Em Valência, os templários são presos em 1 de dezembro.  Exmen de Lenda, Mestre da Província de Aragón é capturado.  Outros, no entanto, resistem: Raimundo Sa Guardia, Preceptor de Mas Deu, em Rosellón, lidera um grupo de irmãos que se aquartelam em seus castelos de Miravet, Monzón e Ascó, entre outros.  Entre dezembro de 1307 e agosto de 1308, Raimundo mantém correspondência com Jaime, defendendo a Ordem, relembrando ao rei os serviços prestados pelo Templo à causa da Reconquista.  A partir de fevereiro, Jaime sitia os castelos, que caem um a um, o último deles capitulando em julho de 1309.
         Em Mallorca, apesar de contrariado, o rei acata a bula papal e procede à detenção dos templários.
         Em Castilla e Portugal, os soberanos defendem a Ordem e nada fazem até a publicação de uma nova bula, Faciens misericordiam, em agosto de 1308, quando finalmente efetuam as prisões.
         Em outros lugares, as atitudes das autoridades dependem dos laços e das relações que mantêm com a coroa francesa mas, mais cedo ou mais tarde, as prisões acabam acontecendo e, em finais de 1308, todos os templários da cristandade ou estão presos, ou tornaram-se fugitivos.

         Um deles, no entanto, goza de uma situação especial: é dado como morto e na verdade o está mas caminha entre os vivos à noite com total liberdade de ação.  Este templário sou eu!