sábado, 26 de março de 2011

Minha história I – De como entrei para a Ordem


O que vou contar aqui, por mais que seja a pura expressão da verdade, não pode ser confirmado.  Por motivos que ficarão claros mais adiante, tudo o que se refere a mim ou à minha história foi suprimido e apagado.  Todos os registros, todas as referências, até mesmo as cartas endereçadas a mim. Tudo! Para a História, eu nunca existi! E foi melhor assim.
Mas não vamos adiantar as coisas; tudo será explicado a seu tempo. Por ora, deixem-me começar pelo início.


Meu nome de batismo é Henri de Pierrefort e nasci em 1.276, na região de Auvergne, na França, como o mais novo dos três filhos do cavaleiro Gilbert de Pierrefort.
Meu irmão Guillaume, o primogênito, morreu quando eu ainda era criança e as esperanças de meu pai, como seria de se esperar, recaíram naturalmente sobre Gilbert, que carregava o seu nome e era seis anos mais velho do que eu.
         Desde cedo entendi que, não cabendo a mim a condição de herdeiro, restavam-me as opções clássicas: o bom casamento ou a vida eclesiástica.  Um pouco mais tarde, compreendi, porém, que o bom casamento está também sempre reservado ao herdeiro.  Com esta conclusão, cedi ao chamado do Senhor e decidi-me finalmente pela Santa Madre Igreja.
        
         Nos primeiros anos, fiquei maravilhado com tudo o que aprendia.  Antes, eu nunca tivera acesso à cultura e, de tudo o que fazia parte da vida no mosteiro, eram os livros o que mais me fascinava.  Esse fascínio, aliado ao meu pouco interesse pelos serviços religiosos, foi logo notado pelo abade, um velho amigo de meu pai.  Graças a ele, interrompi minha carreira religiosa antes dos votos definitivos e fui estudar na Universidade de Paris.  Ao despedir-se de mim, o Abade Hugues entregou-me a carta de recomendação endereçada ao reitor da instituição de ensino.  Mesmo depois de tantos anos, ainda me recordo de alguns trechos: “Possui inteligência viva e penetrante, é ávido por conhecimento e expressa-se com fluência, correção e desembaraço.  Em nossas conversas, defende seus pontos de vista com entusiasmo; em nossas discussões, costuma sobrepujar-me com argumentação imbatível.  Tens aí, meu amigo, sem dúvida, um futuro grande Advogado!”
        
         Ah, como Paris era grandiosa em 1.294!  Era maior, mais bela e mais cosmopolita do que tudo o que eu havia imaginado!  E as mulheres; como eram lindas e como se apresentavam de forma tão diversa das mulheres do campo!
         Mas o mais excitante de tudo é que Paris era a Corte e isso era suficiente para deixar a cidade envolta em uma atmosfera especial, impregnada de caprichos, tramas e conspirações.  Foi nessa ocasião que passei a me interessar por política.   
         As relações entre Filipe IV, o Belo, e o papado de Roma andavam estremecidas desde que Filipe sugerira a cobrança de impostos a membros da Igreja na França.  Com a Inglaterra, as coisas também estavam agitadas e comentava-se que uma guerra poderia estourar a qualquer momento.
         Disposto a fortalecer as estruturas da monarquia, Filipe investia no desenvolvimento das instituições judiciárias e administrativas.  Eu, que naquela época havia recém iniciado meus estudos na Universidade, vislumbrava para mim um futuro brilhante naquela maravilhosa cidade, talvez até, quem sabe, impulsionado pelo casamento com uma daquelas estonteantes damas da baixa nobreza ou da florescente burguesia, cujos pais poderiam entender como útil a inclusão de um jovem advogado em suas famílias.

         Mas não foi isso o que aconteceu.  Não que eu não tenha me destacado nos estudos; muito pelo contrário!  Graduei-me com louvor, sendo reconhecido por meus mestres como o mais promissor talento que nos últimos anos havia freqüentado a instituição.  Tanto é assim que, quando Guillaume de Nogaret, ministro do Rei, solicitou à Universidade a indicação de um advogado para “realizar uma importante missão em benefício da França”, foi o meu nome que foi indicado.
         Estávamos no início de 1.300 e eu mal havia acabado de completar meus 23 anos, e a importante missão a que o ministro se referia consistia em viajar ao Oriente Próximo para discutir os termos da fusão entre a Ordem dos Templários e a dos Hospitalários, um processo que, longe do conhecimento público, caminhava em estágio avançado, aproximando-se de sua conclusão.
         A mim, parecia-me realmente uma missão importantíssima.  Dizia-se até que o próprio de Nogaret teria se encarregado dela se não tivesse sido incumbido de outra, de caráter mais urgente: visitar a Santa Sé, como embaixador da França, para amenizar o desagrado da Igreja em relação à aliança de Filipe com Alberto da Áustria.

         A viagem a Chipre foi longa e difícil, mas ao mesmo tempo repleta de aventuras e aprendizados que contribuíram para ampliar a minha visão do mundo.  Eu estava ansioso para conhecer Jacques de Molay, Grão Mestre dos Templários na ocasião, mas nosso encontro, num primeiro momento, foi decepcionante.
         – Essa unificação das Ordens não é do interesse dos Templários e muito menos dos Hospitalários. – argumentou de Molay quando lhe expliquei o motivo da minha visita. – Isso só interessa à Filipe, que tem a pretensão de tornar-se Rex Bellator.  Se depender de mim ou de de Villaret, jamais se concretizará!
         Minha missão, nem bem começara, e já havia fracassado.  Mas o pior ainda estava por vir.
         – Voltar?  Eu só o deixaria partir se pudesse destacar algumas dezenas de homens para acompanhá-lo, como o fez o maldito de Nogaret, mas o momento não me permite abrir mão de nem um homem sequer.  E deixá-lo ir sozinho seria o mesmo que assinar sua sentença de morte.  Não, meu rapaz; você terá que permanecer aqui conosco.  E creio que por um bom tempo!
         Eu estava para me retirar quando ouvi a voz do Grão Mestre chamar-me novamente.
         – Mas, diga-me, meu rapaz; alguma vez já recebeu treinamento militar?

         E foi assim que eu me tornei um Templário.

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