Quisera eu poder reparar o mal que fiz. Quisera poder me redimir de todos os meus pecados, mas sei que é impossível. Meu tempo para a redenção há muito se foi...
Quantas vezes já quis morrer! Quantas vezes já tentei acabar eu mesmo com minha existência miserável! Quantas vezes desejei que minha carne apodrecesse e fosse comida pelos vermes como a de qualquer mortal! Mas até mesmo esse tempo já passou e essa vontade se foi, há muito. Tempo... Essa palavra que tanto uso e que para mim não tem significado algum...
Como acontece todos os dias, a noite insone já está se esvaindo lentamente e os primeiros raios do sol já surgem por trás de nuvens sangrentas no horizonte. Houve um tempo em que eu não podia contemplá-los e nem sequer sentir seu calor contrastando com minha pele fria... Mas isso passou, porque tudo passa. Apenas eu, o Amaldiçoado, permaneço eternamente...
Agora o céu está ainda mais rubro. Isso me aquece por dentro! Como é lindo o céu do Rio de Janeiro! Lembro quando o vi pela primeira vez... Era noite e milhares de estrelas, em posições diversas das que eu conhecia, enfeitavam o firmamento. Isso foi há muito tempo... Ah, maldita ironia! Novamente me valho desta métrica mundana para localizar numa linha imaginária a memória do que passou. Maldito sejas, ó inexorável Tempo, por me ter abandonado! Justo a mim, que precisava tanto de ti!
Mas, voltemos às minhas recordações, pois é tudo o que me resta. E é muito... Há muito o que contar.
Cheguei à esta cidade viajando clandestinamente no navio do Capitão Graham Eden Hamond, em sua primeira viagem a esta colônia de Portugal. Maldito inglês, de alma encharcada pela soberba! Nada entendeu das belezas desta terra.
Mas, voltemos, voltemos... Preciso organizar meus pensamentos, o que não é fácil, já que são muitos séculos de memórias. Podes imaginar isso? Colecionar centenas de anos de fatos, com vívidos e brilhantes detalhes na mente? Percebes o fardo e o suplício que isso representa? Quando me pego a relembrar, inebrio-me com o cheiro do sangue... Ah, sim! Quanto sangue já foi derramado! E quanto eu já evitei que fosse desperdiçado!
O Rio era lindo naquela época... Quando? Na tua humana referência cristã? Se bem me recordo, era o ano de 1825...
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