sábado, 19 de março de 2011

Apenas lembranças


         Quisera eu poder reparar o mal que fiz.  Quisera poder me redimir de todos os meus pecados, mas sei que é impossível.  Meu tempo para a redenção há muito se foi...
         Quantas vezes já quis morrer!  Quantas vezes já tentei acabar eu mesmo com minha existência miserável!  Quantas vezes desejei que minha carne apodrecesse e fosse comida pelos vermes como a de qualquer mortal! Mas até mesmo esse tempo já passou e essa vontade se foi, há muito.  Tempo...  Essa palavra que tanto uso e que para mim não tem significado algum...

         Como acontece todos os dias, a noite insone já está se esvaindo lentamente e os primeiros raios do sol já surgem por trás de nuvens sangrentas no horizonte.  Houve um tempo em que eu não podia contemplá-los e nem sequer sentir seu calor contrastando com minha pele fria...  Mas isso passou, porque tudo passa.  Apenas eu, o Amaldiçoado, permaneço eternamente...

         Agora o céu está ainda mais rubro.  Isso me aquece por dentro!  Como é lindo o céu do Rio de Janeiro!  Lembro quando o vi pela primeira vez...  Era noite e milhares de estrelas, em posições diversas das que eu conhecia, enfeitavam o firmamento.  Isso foi há muito tempo...  Ah, maldita ironia!  Novamente me valho desta métrica mundana para localizar numa linha imaginária a memória do que passou.  Maldito sejas, ó inexorável Tempo, por me ter abandonado! Justo a mim, que precisava tanto de ti!

         Mas, voltemos às minhas recordações, pois é tudo o que me resta.  E é muito...  Há muito o que contar.

         Cheguei à esta cidade viajando clandestinamente no navio do Capitão Graham Eden Hamond, em sua primeira viagem a esta colônia de Portugal.  Maldito inglês, de alma encharcada pela soberba!  Nada entendeu das belezas desta terra.
         Mas, voltemos, voltemos...  Preciso organizar meus pensamentos, o que não é fácil, já que são muitos séculos de memórias.  Podes imaginar isso?  Colecionar centenas de anos de fatos, com vívidos e brilhantes detalhes na mente?  Percebes o fardo e o suplício que isso representa?  Quando me pego a relembrar, inebrio-me com o cheiro do sangue...  Ah, sim!  Quanto sangue já foi derramado!  E quanto eu já evitei que fosse desperdiçado!

         O Rio era lindo naquela época...  Quando?   Na tua humana referência cristã?  Se bem me recordo, era o ano de 1825...

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